Estudos de Contraponto do Gradus ad Parnassum de J. J. Fux

 

Orlando Marcos Martins Mancini

www.contemplus.com.br

professor de contraponto

2018

Aloysius:

O contraponto duplo de oitava é uma composição de tal forma arranjada que, com a transposição de qualquer uma das duas partes para uma oitava superior ou uma oitava inferior, resultará numa mudança do som harmônico entre as vozes, embora elas ainda se comportem com as regras da boa escrita.

 

 Para que isto seja possível, Josephus, tu deves estar certo que as quintas sejam evitadas, que nenhuma progressão por salto dentro da oitava ocorra e que a escrita esteja nos limites da oitava.

 

 A seguinte tabela de números serve para esclarecer estes pontos e demonstrar onde a inversão transformará consonâncias em dissonâncias:

1

2

3

4

5

6

7

8

8

7

6

5

4

3

2

1

É evidente que o uníssono se torna oitava por inversão; a segunda quando invertida torna-se sétima, a terça torna-se sexta, a quinta, uma quarta etc. Disto é facilmente compreensível porque em alguns tipos de contraponto, ou neste tipo específico de contraponto, a quinta é proibida, pois pela inversão ela se torna uma dissonância de quarta.

 

[Fux considera a quarta uma dissonância onde quer que o som inferior, entre dois tons que formem o intervalo de quarta, sirva ao mesmo tempo de tom fundamental – que é, invariavelmente, o caso da escrita a duas vozes. Esta definição foi adotada em todas as discussões teóricas baseadas em Fux – entre elas as de Haydn, Mozart e Beethoven. A distinção entre a quarta na escrita a duas partes e a quarta na escrita a mais de duas partes está fundada na tradição da teoria do contraponto desde o século 13 (teórico inglês Anonymous IV, Couss. Script., I)].

Com a utilização de uma ligadura, entretanto, a quinta pode ser utilizada.

Josephus:

Acredito ter entendido tudo o que foi apresentado tão extensamente. Porém, não me foi explicado porque a progressão por salto dentro de uma oitava não é permitida e porque os limites da oitava não podem ser excedidos. Posso vos solicitar, agora, já que tive a oportunidade de ouvir falar desse tipo de procedimento no contraponto com muito elogio, e estou ansioso para ver alguns exemplos práticos.

Aloysius:

Te explicarei sem muitas delongas. A tabela dos números dada anteriormente torna claro que a oitava, quando invertida, se torna uníssono. O uníssono, entretanto, como já foi mencionado antes, não pode ser atingido por salto, exceto numa cadência final.

Mas também faremos bem em evitar a oitava no tempo forte desde que, por inversão, ela se torna uníssono, que como dissemos não deve ser usado, exceto numa sincopação.

 

Os limites da oitava não devem ser excedidos porque a função do contraponto duplo é produzir sons harmônicos diferentes quando invertidas as partes. Se, entretanto, os limites da oitava são excedidos, teríamos os mesmos resultados, pois as consonâncias (intervalos) compostas são transformadas em intervalos simples e a inversão não resultará diferente, mas somente em intervalos dispostos diferentemente [não invertidos]:

Nota-se aqui que a décima ou a terça composta torna-se uma terça simples quando invertida; a nona ou segunda composta torna-se uma segunda simples e assim por diante. Não existe diferença entre intervalos simples e compostos, exceto a do registro.

Josephus:

Agora que eu acredito ter entendido tudo que foi dito, gostaria de vos solicitar uma demonstração com exemplos.

Aloysius:

Aqui está então o primeiro exemplo que está vinculado à linha melódica de um cantus firmus.

Eis outro exemplo sem a restrição de um C.F.:

Destes exemplos pode-se deduzir que a inversão infalivelmente funcionará desde que esteja escrita de acordo com as regras da boa escrita e que todas as regras mencionadas anteriormente sejam observadas.

 

 Do exemplo abaixo pode ser derivado outro,  em três partes - a terceira parte pode ser adicionada através da inversão do contraponto uma décima abaixo -, desde que cada tempo forte seja atingido por movimento contrário ou oblíquo.

 

Reforço que o início de cada compasso é atingido por movimento contrário ou oblíquo. Por essa razão o exemplo pode ser transformado num novo tipo a três vozes transcrevendo-se o contraponto, nota por nota, uma décima abaixo.

Josephus:

Estou fascinado por este dispositivo do contraponto e eu estou bastante ansioso em aprender como utilizá-lo.

Aloysius:

Farei como tu desejas, embora tenha planejado discutir antes outros tipos do contraponto duplo. Submeto à tua apreciação o tema desta primeira fuga, no primeiro modo, que, combinado com um contra-sujeito, demonstrará como pode tornar-se a estrutura guia através de toda a fuga.

Aqui, então, está o uso do contraponto duplo e o exemplo prático que havias solicitado. Observe primeiro que o contra-sujeito inicia depois de uma pausa que dura meio compasso, em uníssono, de forma a retornar através das inversões dos sujeitos à oitava, como pode ser observado nos números 1, 2, 3, 4 e 5. O contra-sujeito é usado algumas vezes nas vozes periféricas e outras vezes nas vozes intermediárias, sempre respondendo ao sujeito principal à oitava e sempre produzindo um novo som harmônico através da inversão.

Josephus:

Onde o N.B. está marcado, o uníssono parece estar invertido à décima-quinta e não à oitava.

Aloysius:

Como já foi dito antes, os intervalos compostos devem ser interpretados como se fossem simples, o que está acontecendo aqui. Por essa razão uma transposição similar é, às vezes, propositalmente utilizada de maneira a conseguir espaço para as vozes intermediárias.

 

Note também que, no número 6, o sujeito principal não aparece, por motivo de variação, somente o contra-sujeito é utilizado conduzindo a uma passagem em stretto.

Josephus:

Estou intrigado por esta combinação das vozes, mas não teria sido possível formar essa passagem em stretto e introduzir a cadência final utilizando ambos os temas?

Aloysius:

Seria possível se alguns valores fossem alterados, por exemplo:

Observe o N.B. Aqui, ao invés de duas semibreves, aparecem duas semínimas. Isto torna possível com que o tenor e o baixo entrem quando o tema alcançou o terceiro compasso. Uma mudança nos valores aplicado nas notas, por essa razão, não é somente permissível, mas adicionara muito crédito ao compositor. Tal flexibilidade deveria ser aceita para a escrita do contraponto duplo, já que esta técnica, aplicada a esses tipos de temas, é de muita utilidade na escrita de fugas. É agora tua tarefa, Josephus, absorver da mesma maneira as fugas dos modos remanescentes. Para se variar, entretanto, o contra-sujeito nem sempre será introduzido dessa forma particular nomeada durante o primeiro compasso do sujeito principal. De acordo com a natureza deste sujeito, o contra-sujeito poderia entrar no segundo ou no terceiro compasso. Tu verás isso no seguinte início de uma fuga no segundo modo e que podes completar.

Eu gostaria que  tu me trouxesses essa fuga e outras fugas escritas em outros modos com o uso de outros contra-sujeitos construídos de modo apropriado.

Josephus:

Existe alguma coisa a mais que poderia ser observada especialmente neste tipo de composição?

Aloysius:

Qualquer coisa a mais  pode ser aprendida do que foi dito sobre fugas simples e das regras gerais do contraponto. Deve-se prestar atenção particular, para a maneira na qual a linha melódica deve ser adaptada no seu próprio modo de acordo com as posições dos semitons como eu imagino que tu tenhas apreendido do que foi dito em várias outras ocasiões. Agora vamos deixar estas espécies de contraponto e assinalar a prática de outros modos para sua tarefa em casa. Vamos então proceder a discussão do contraponto duplo à décima.

[O texto do livro prossegue com:]

Contraponto Duplo à Décima

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