Aloysius:
Podes perceber através do que foi dito antes que tal forma de inversão do contraponto não se restringe ao de oitava mas há diversos tipos cujas diferenças nascem entre as várias possibilidades de transposição das vozes. O primeiro tipo chamado de contraponto duplo à oitava, creio que foi abordado suficientemente, por isso vamos passar para o segundo tipo chamado contraponto duplo à décima. Esse tipo possui este nome devido ao fato que admite uma transposição de ambas as vozes uma décima superior e/ou inferior, sem qualquer mudança nas linhas melódicas, desde que sejam evitadas certas consonâncias e dissonâncias. Da seguinte tabela de números podes observar os intervalos que não podem ser utilizados:
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
9
8
7
6
5
4
3
10
2
1
Percebe-se que duas terças ou (duas décimas) não devem ser usadas consecutivamente em movimento direto, pois, na inversão, resultaria em dois uníssonos (paralelos ou duas oitavas).
Da mesma forma, o uso de duas sextas, já que sua inversão resultaria em duas quintas (quintas paralelas). Além disso, a quarta ligada deveria ser evitada na voz superior, pois sua inversão resultaria numa sétima na voz inferior - o que não é admitido, como já foi discutido anteriormente.
Finalmente, os limites da décima não devem ser excedidos. Veja o exemplo, escrito sobre um Cantus Firmus que usamos anteriormente.
A seguir, observe a transposição de décima com o C.F. permanecendo no mesmo lugar.
O mesmo resultado pode ser alcançado pela transposição simultânea do C.F. uma terça acima e a linha do contraponto uma oitava abaixo, pela razão óbvia que duas segundas maiores (uma terça maior) adicionadas somam uma décima.
Este contraponto pode ser cantado a 3 vozes desde que o C.F. seja transcrito nota por nota uma décima abaixo e as outras vozes permaneçam como antes.
Isto também pode ser feito com o primeiro exercício se o mesmo for escrito uma décima abaixo e que a outra voz permaneça inalterada.
Josephus:
Que maravilhosa é esta técnica do contraponto que na transcrição de uma voz transposta possibilita o nascimento de uma terceira. Poderia qualquer modelo a duas vozes ser transformado a 3 vozes neste tipo de inversão?
Aloysius:
Sim, desde que se observe cuidadosamente as regras das espécies de contraponto e que cada tempo forte seja atingido ou por movimento contrário ou movimento oblíquo.
Dar-te-ei dois exemplos sem o uso de um C.F. de modo que não sentirás falta de algo a mais para compreender esse tipo de contraponto.
Se a soprano for transcrita, décima abaixo, nota por nota o resultado é um modelo a três vozes perfeito em todos os sentidos.
Se tu transcreveres a voz da soprano uma oitava abaixo e uma terça acima, terás também um excelente modelo a 3 vozes.
Acredito que isto seja todo o necessário para escrever este tipo de contraponto e recomendo que pratiques esses tipos até que passes a escrevê-los com facilidade. Diga-me se qualquer dúvida ainda permanece em sua mente.
Josephus:
Parece que no primeiro exemplo escrito com um C.F. os limites do modo são ultrapassados quando invertido no início e no fim.
Aloysius:
Eles estão, no exemplo, transformados num modo que não é estranho demais para o modo original. O presente exemplo, entretanto, é dado não para uso prático, mas somente de maneira a ilustrar a inversão. Isto não significa necessariamente que apliquemos a inversão imediatamente no início e consistentemente no fim, ao invés disso, a inversão pode aparecer onde quer que surja a oportunidade e o bom senso do compositor assim decidir. Como uma regra, isto será após a introdução do sujeito principal que deve estar enquadrado no modo e de um contra-sujeito que pode ser invertido a 10ª. Eu ilustrarei isto sucintamente numa fuga que pode servir como exemplo. Se, entretanto, a inversão é para ser usada no início da composição, o primeiro e o terceiro graus do modo devem ser usados na abertura. Neste caso, a parte invertida permanecerá dentro dos limites do modo, como os exemplos precedentes, escritos sem o uso de um C.F.
Josephus:
Se este tipo de contraponto fosse usado na escrita a 4 vozes como deveria a 4ª voz ser tratada?
Aloysius:
A 4ª voz poderia mover-se livremente ou estar com pausas, ou entrar com o sujeito tanto em movimento contrário ou em alguma outra forma permissível. Eu te demonstrarei uma forma na qual nosso exemplo poderia ser estendido para 4 vozes:
Agora vamos ver como esses tipos de contraponto podem ser usados composicionalmente na música prática.
Eu demonstrarei isso tomando novamente o sujeito no primeiro modo que usamos para fugas simples e outros exemplos.
Josephus:
Por favor não me escondeis, venerável mestre, se eu vos interrompo neste ponto.
Aloysius:
De qualquer forma, vamos em frente.
Josephus:
Parece que este contra-sujeito adapta-se à inversão de 8ª. Penso que, por isso, não deveria ser utilizado para o contraponto duplo de 10ª?
Aloysius:
Tu estás enganado se pensares que o sujeito não se aplica aqui porque pode ser invertido a 8ª. Tu já deverias saber através do último exemplo de contraponto duplo de 8ª e, também, dos últimos exemplos desses tipos de contraponto que as duas espécies, chamadas de contraponto a 8ª e contraponto a 10ª, podem muito bem serem combinadas. Antes de prosseguirmos, eu te mostrarei que o tema em questão também pode ser invertido a 10ª.
Aqui você vê que o contralto acompanha o contra-sujeito no baixo a uma distância de 10ª completando assim este modelo inicial. O mesmo efeito resultaria se o contra-sujeito fosse transposto uma 8ª acima e lido uma terça mais baixo, de acordo com este tipo de contraponto.
Josephus:
Eu estou muito agradecido, mestre, por lembrar-me o que foi dito antes e por responder minhas questões com novos exemplos. Gostaria que retornássemos então a mesma fuga para que possamos continuar na forma na qual começamos.
Aloysius:
Temos então, uma fuga curta que é para ser encarada mais como uma ilustração do contraponto duplo a 10ª do que como um exemplo de uma escrita elaborada,.Você pode seguir estes exemplos nos outros 5 modos usando as formas de fugas simples como elas aparecem nos diferentes modos. Enquanto isso, examine todas as instâncias onde as inversões aparecem nesta fuga e diga-me se existe alguma coisa que você não entende.
Josephus:
Os compassos marcados pelos números 1, 2 e 3 não parecem estar propriamente adaptados à natureza do contraponto duplo a 10ª desde que os contra-sujeitos não estão colocados dentro de uma distância de 10ª, como exige este tipo de contraponto, mas a uma distância de uma 3ª ou uma 6ª.
Aloysius:
Isto não altera o fato de que estas passagens estão de acordo com os princípios destes tipos de contraponto e se elas estão arranjadas desta maneira devem obviamente aderir estas regras.
Desde que, entretanto, o tenor no nº 1 e o contralto no nº 2 não poderiam alcançar a 10ª foi necessário adaptar estas vozes abaixo para 3ª. A passagem no nº 3 melhora significativamente a consideração de uma conexão mais próxima entre as vozes e o mesmo se aplica a passagem nº 6. Quais são suas perguntas nos nºs 4 e 5?
Josephus:
Lembro que foi dito em outra ocasião que uma pausa deveria ser seguida por uma entrada do tema. Uma regra que parece não estar sendo observada nestas instâncias.
Aloysius:
É verdade que eu disse que o sujeito reapareceria. Isto pode ainda ocorrer por uma entrada direta ou por uma entrada invertida. Você notará que o contra-sujeito é neste ponto usado com movimento melódico invertido. Este dispositivo não é somente permissível, mas também acrescenta uma considerável variação à composição.
Para terminarmos, gostaria de lembrá-lo que uma grande manipulação deste material depende do bom-senso do compositor para aplicá-lo neste tipo de composição. Podemos acrescentar também deve ser observado para este tipo de contraponto que as vozes devam sem ser arranjadas de forma que não excedam o limite das 5 linhas ou que por outro lado não deprecie a composição privando-a de um som muito harmônico.